Epistolário Camoniano

Há várias décadas que os estudos camonianos não progrediam no resgate de novos textos e documentos, o que é surpreendente tendo em conta a existência de muitas fontes manuscritas por identificar e publicar. Quando esta edição do Epistolário Magno de Luís de Camões por Felipe de Saavedra estiver completa, ela constituirá um marco inegável nesses estudos.


As catorze cartas contempladas no total dos cinco volumes previstos (doze principais e mais duas suplementares), são apresentadas em texto crítico e com extenso comentário histórico e biográfico.

 

 

Elas incluem, para além das cinco epístolas em prosa tradicionais (VII-X, XII), mais três que são estudadas como epístolas (II, III, XI) e outras três que são reatribuídas a Camões (I, IV e IVa). Para mais duas missivas é estabelecida a autoria camoniana pela primeira vez (Ia, V), enquanto uma última (VI), há muito reconhecida como sendo de Camões, permaneceu inédita em versão integral por quase 100 anos, sendo esta a primeira a vir a público nesta série.

 

O acervo de informações que as cartas de Camões revelam inclui, por exemplo, a cidade onde ele nasceu; como era a vida militar da guarnição portuguesa de Ceuta onde ele serviu, e as queixas dos portugueses contra o Capitão da praça; quem eram os seus companheiros de má vida na noite lisboeta, e por que razões foi preso em 1552; o impacto da pandemia da sífilis nas letras europeias e portuguesas; ou como se malcomportavam as diversas tribos urbanas que compunham a colónia portuguesa residente em Goa.

 

No comentário, o mais extenso até hoje elaborado para o epistolário camoniano, estudam-se aspetos que têm sido pouco contemplados, desde os biográficos – já sejam os contornos da sua doença e as circunstâncias exatas da sua morte – aos mais teóricos: a afinidade entre a comédia, a sátira e a epístola pelo elemento dionisíaco que subjaz à sua filosofia de vida e visão do mundo.

 

O retrato ao vivo que resulta deste assinalável esforço interpretativo não é o de um novo Camões, nem o de um Camões alternativo ao Camões brônzeo ou marmóreo, dito «oficial». Pelo contrário, quem reemerge destas páginas é o Camões mais antigo, o original, ainda humano e talvez demasiado humano, com quem os seus contemporâneos privaram quando ele se achava ainda isento do mito com que os pósteros o iriam depurar e desumanizar.